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“É chato demais arrumar a casa”




Atendida por programas governamentais, menina aos 11 anos já não trabalha mais, mas sua infância ficou marcada pela necessidade de cuidar da casa, dos irmãos e de complementar a renda da família. 

“Prefiro ficar com o tempo livre para brincar e estudar. É chato demais arrumar a casa”. Esta menina tem apenas 11 anos, mas já carrega um “currículo” extenso de trabalho infantil doméstico: foram três anos em casa, lavando, limpando e cuidando dos três irmãos mais novos. Entre tantas tarefas, a pequena, acompanhada da avó, também andava pelas ruas de Diadema, região do ABC de São Paulo, em busca de garrafas pet para reciclagem. O objetivo era ajudar na renda da família composta por sete pessoas que dividem um quarto e uma cozinha localizado em Eldorado, bairro periférico da cidade de Diadema, SP. “Saía quase todos dias para pegar garrafa. O dono do ferro velho vinha até minha casa e pagava menos de R$10 por dia. Eu ficava com R$1 para comprar bolacha. E o resto eu dava para minha avó ajudar nas despesas.”
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2009 mostram que quase 600 mil crianças de cinco a 14 anos ainda dividem o tempo entre escola e trabalho doméstico. Apesar da queda, nos últimos dois anos, de pelo menos 14% na quantidade de crianças e adolescentes nesta faixa etária que trabalham, o Pnad 2011 revela que o Brasil ainda soma 704 mil meninos e meninas em situação de trabalho.
Hoje a garota faz capoeira, participa de oficinas de brinquedos e de brincadeiras africanas há quatro anos na Associação de Apoio à Criança em Risco (ACER Brasil), ONG localizada no próprio bairro onde mora. Foi lá que identificaram, no final de 2009, a situação de exploração e a encaminharam ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) para que fosse inserida no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do governo federal. O Programa articula ações para a retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos deste tipo de situação. “Percebemos que ela era muito fechada, fugia quando nos aproximávamos, faltava às atividades. Depois que parou de trabalhar, o rendimento dela melhorou muito na escola e voltou a frequentar a ACER”, conta a psicóloga e educadora social responsável por ela na entidade, Michely Galdino. Aos olhos menos atentos, a pequena chama a atenção por não gostar muito de brinquedos. “Qual a graça para uma criança com este perfil brincar com boneca ou de casinha, se ela já cuidava da casa de verdade?”, justifica Galdino.
Além do Peti, a menina está inserida no Programa Aprender Mais, do governo de Diadema, que desde 2010 atende alunos do quinto ano do Ensino Fundamental das escolas municipais com duas horas a mais por dia em aulas de alfabetização e Português. Em 2012 o Programa foi estendido até o terceiro ano do Ensino Médio para toda a rede de ensino. “Criança tem que estudar para ser alguém na vida”, afirma a garota que faz poesias e sonha em ser professora e escritora.
Políticas públicas brasileiras
As ações governamentais, sejam nos âmbitos municipal, estadual e federal, vêm sendo criadas nas últimas décadas na tentativa de prevenir e erradicar o trabalho infantil e adolescente no país. Mas elas ainda são insuficientes principalmente na sua integração e na adoção de medidas mais emergenciais como já apontou algumas vezes o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti).
Ao ingressar no Peti, a família tem acesso a serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, acompanhamento e transferência de renda do Bolsa Família, com base na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. Esta iniciativa faz parte do Plano Brasil Sem Miséria (BSM), também do governo Federal. Caso a família tenha renda mensal per capita igual ou inferior a R$ 140, ela receberá o Bolsa Família. Já se a renda familiar for superior a R$140, o benefício recebido é o do Peti e no valor de R$ 40 por cada criança e adolescente em área urbana e de R$ 25 nas áreas rurais.
Atualmente o Peti atende mais de 820 mil crianças afastadas do trabalho em mais de 3,5 mil municípios. Porém, a educadora social Michely Galdino explica que há uma “resistência” para as famílias que estão inseridas no Bolsa ingressarem no Peti pelo fato de terem que deixar de ter atividade econômica. “A família que está no Bolsa Família acaba garantindo a renda. Mas isso não quer dizer que a criança deixa de trabalhar, dividindo o tempo entre trabalho e escola”.
Para a secretária nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Denise Colin, não há dúvidas de que estes programas têm papel importante na erradicação do trabalho infantil. “São uma importante contribuição para que os números venham diminuindo continuamente no país, na medida em que além da renda, oferece a inclusão e o acompanhamento na rede escolar, de saúde e de assistência social.”
A aceitação do trabalho infantil, segundo Colin, é compreendida culturalmente como uma atividade “formadora do caráter” e que previne a exposição a riscos como a situação de rua, o uso de drogas, o envolvimento com o crime. “A mudança cultural caminha lado a lado com as das condições de vida da população. Neste sentido, é um processo em curso no país na medida em que o Estado vem ampliando a oferta de proteção social e promovendo a inclusão social e econômica da população historicamente excluída, tirando da extrema pobreza milhares de famílias”, completa.
Colin defende que o compromisso do governo brasileiro em erradicar o trabalho infantil materializa-se na implementação do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, aprovado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Referendado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), em 2010. “Para expressar o compromisso dos poderes públicos de realizar esforços e ações integradas para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes foi assinada, no dia 9 de outubro, a Carta de Constituição de Estratégias em Defesa da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente. Cabe destacar que nesta Carta consta a Estratégia Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil”, ressaltou Colin.
Outra ação no âmbito federal é o Programa Aprender Mais desenvolvido no âmbito do Programa Mais Educação, integram o Plano Nacional de Educação (PNE), do Ministério da Educação (MEC) Instituído em 2007, o Mais Educação busca ampliar o tempo e o espaço educacional de mais de 41 milhões de alunos da rede pública de ensino. As escolas atendidas oferecem jornada integral com atividades extracurriculares relacionadas ao projeto político-pedagógico da escola e da comunidade. A educação integral é uma das formas de contribuir com a erradicação de crianças e adolescentes em atividade econômica. Segundo o governo, deverá aplicar até o final deste ano mais de R$ 1,4 bilhão para a ampliação deste tipo de ensino nas escolas públicas brasileiras.

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